EU SEI DE TUDO
Na sexta-feira movimentada, de longe com seu caminhado desengonçado, num destino desconhecido e em passos ligeiros, caminhava Bastião de Sinhorinha. Em meio ao sol matutino, o homem robusto usava uma camisa de mangas compridas, uma calça de linho, mas de currulepas de couro. Carregava debaixo do braço um livro preto, o cuidado tal pertence era tão grande que deveria ser algo muito mais importante.
Continuou a caminhar sem demonstrar preocupação, ao tempo em que ganhava os olhares dos que pela rua transitavam. Do bar de seu Louro, Doutor Figueira bradou:
__ Ta atacado! Ta vendo no que dá estudar demais?!
Enquanto isso, o inócuo homem continuava a caminhar, as suas passadas eram consistentes e ao mesmo tempo rápidas, que Bastião chegou a se esbarrar em Dona Candinha, que logo retrucou:
__ Virgem Maria! _ Completou a velha fazendo o sinal da cruz.
Antes de chegar defronte ao Palácio dos Bispos, Bastião virou-se para a rua do açougue, curvou-se um pouco, botou a mão acima dos olhos e tentou avistar algo. Parecendo não encontrar o que procurava, continuou a sua caminhada, onde permanecia chamando à atenção dos populares.
Quando chegou ao patamar da igreja matriz, benzeu-se virando para o cruzeiro do adro, onde parecia pedir permissão para algo, logo depois tentou subir no mesmo, mas devido à parafina dos restos das velas, dificultou a sua ousada tentativa. Depois de muita peleja, resolveu fazer o que pretendia em um dos bancos a praça enfrente ao Templo. Subiu, olhou para os lados, fez uma espécie de saudação japonesa, abriu o estranho livro que folheou, folheou e falou pela primeira vez desde que saiu de casa naquele dia:
__ Eureka! Eu sei!...Eu sei... Foi Nero que tocou fogo em Roma! Também sei o céu não é azul, que na Inglaterra o rei reina, mas não governa...
O falatório logo chamou atenção, o homem do carrinho de bombons imediatamente chegou, pois ali já era propicio para a sua venda. As velhas carolas que vinham da casa do divino tentavam compreender a estranha movimentação. D. Zefina dando uma de esperta, despontou:
__ Deve ser um desses políticos mal amados atrás de voto!
__ Voto? Não é nem tempo de eleição. - Falou D. Rosa.
__ Mas nessa cidade tudo pode!- Finalizou D. Ana Miranda.
Ao se aproximarem não entendiam o falatório de Bastião, que parecia empolgado em cima do palanque improvisado. Da Casa Paroquial o Padre Nicolau via aquilo tudo, mas não se atreveu em saber o que se passava na praça, nem precisou, pois as beatas logo se encarregaram de comunicar o notável acontecimento:
__ É um sacrilégio! - Exclamou D. Rosa.
__ Uma blasfêmia. - Completou D. Zefina.
__ Mas o que mesmo?- Perguntou o padre morrendo de curiosidade.
__ Aquele louco, ta ali blasfemando a Santa e Madre Igreja e a Sagrada Bíblia, dizendo que a maçã de Eva era...
__ Era o quê?!- Perguntou o padre outra vez.
__ A...
__ Vamos, falem logo!
__ A chochota dela e para completar falou que a cobra era...
__ O que os homens têm entre as pernas. - Finalizou D. Ana Miranda.
__ Mas isso é um absurdo! Mande já chamou o bispo. - Falou o padre todo nervoso.
O Vigário desceu no rumo da praça acompanhado das corolas, chegando encontrou o prefeito na maior gargalhado com seus “vassalos”. Debaixo da velha umbrela, o bispo do alto do patamar da igreja tentou concorrer com Bastião, pois deu grito ensurdecedor que tomou o Largo da Matriz por inteiro:
__ Prendam esse pervertido! Esse blasfemador!
Com medo de ser excomungado, o povo se afastou para D. José passar, que com o dedo ereto, foi de encontro com o rosto do palestrante. Porém nem um pouco intimidado Bastião deu uma gargalhada e disse ironicamente:
__ Eu sei, seu padre-mor, que você e mercenário, tem um caso com o sacristão e ainda é metido a valentão.
O momento de comicidade, fez com que todos caíssem na gargalhada. O bispo para não ficar por baixo, tirou o solidéu da cabeça e numa reação desesperadora, gritou outra vez:
__ Prendam esse herege! Esse insensato!
Bastião, mais uma vez nem um pouco ofendido deu outra gargalhada irônica, virou-se para D. José e falou num tom de deboche:
__ Quem és tu? Um fariseu qualquer? Se for por essa veste talar tenho certeza que eis.
De longe enquanto uns riam e as beatas rezavam, o bispo sentia-se por baixo outra vez, onde pedia novamente a prisão do falante. Os guardas atendendo ao pedido do eclesiástico carregavam a força Bastião pelo braço, que permanência gritando:
__Prendam-me inquisidores, traidores da verdadeira fé, pois sou Galileu, Joana D’arc, sou o testamento vivo do mais enciclopédico dos cérebros franceses. Prendam-se neogregos, pois sou Sócrates, mas não se esqueçam que a mordaça sempre cai com o movimento da boca.
Junior Vianna
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