Memórias Esverdeadas da Irmandade São Miguel e Almas da Vila da Mocha
Facultar as reminiscências da Oeiras antiga não é tarefa fácil, em virtude da falta de documentos que possam auxiliar na elaboração de um estudo mais conciso. Todavia, isso não é empecilho, quando das fendas da história podemos encontra focos de luzes que possam clarear e nortear a construção de narrativas historiográficas. Assim, ao lançar mais uma vez o olhar sobre a Igreja matriz de Nossa Senhora da Vitória, nota-se no seu âmbito vestígios dos tempos de gloria das extintas irmandades que um dia compuseram a sua estrutura. Dentre tantos, esta ali explicitada na talha do retábulo colonial a descrição em dedicação a São Miguel, que conforme a tradição católica seria um Anjo que travou luta contra o diabo pela proteção das almas cristã.
A devoção a São Miguel, remota-se ao século XII, mais precisamente a uma Ordem da Cavalaria Portuguesa fundada pelo Rei Afonso I, que segunda a tradição ibérica, fundara com o intuito de honrar os cavaleiros da Ordem de São Tiago do Reino de Leão que astutamente reconquistou as terras de Santarém do poderio do povo Mouro durante a festa de São Miguel. Dessa maneira, nascia a Real Ordem de São Miguel de Ala, a mais antiga ordem dinástica portuguesa que passou cultuar o Arcanjo como o Anjo de Portugal ou Anjo da paz. Tal devoção não tardaria em chegar ao Brasil, que foi sendo oficializada a partir do momento que em cada vila ou cidade era instituída uma irmandade com a sugerida devoção. Por se tratar de um de uma entidade divina que cabia a sua função proteger as almas, ficava estabelecida a alcunha devocional de São Miguel e Almas, com o intuito de rememorar a função de avaliá-las em justas ou pecadoras.
Iconograficamente, na mentalidade religiosa vira na balança com seus dois pratos a imagem perfeita para simbolizar a justiça, o peso comparado dos atos e das obrigações. Assim, artisticamente passou se a representar a imagem de São Miguel com tal objeto na mão para aludir à idéia de purgatório e principalmente que todos os cristãos estariam fadados ao juízo final. Por esse motivo que sobre cada prato era posta imagens de almas como se ali representasse o anjo cumprindo a sua missão. Na outra mão, conforme o tempo as imagens que eram confeccionadas segurando uma cruz ou uma lança, porém um modelo iconográfico que obteve relativo sucesso e ganhou o gosto popular era representar São Miguel com gládio, pois se inspirava em suposta aparição do Arcanjo ao Papa Gregório I, O Grande.
A vestimenta angelical de São Miguel foi substituída com o tempo ao bom gosto europeu, em especial lusitano, por armadura de soldado e longas botas sem dúvida rememoravam a cavalaria devocional. Todavia, Segundo a historiadora Adalgisa Campos: ”Em fins do primeiro quartel do setecentos, o rude calçado vai dando lugar a uma sandália vazada apenas nos dedos. Desse modo, nas imagens do rococó há preferência pela leveza, elegância e sensualidade”.Sendo assim, foram esses elementos que se difundiram por intermédio dos colonizadores em solo brasileiro, algo que também se fez na cidade de Oeiras em virtude a devoção a São Miguel.
Não se tem uma data precisa da instituição da irmandade de São Miguel na antiga capital do Piauí, nem mesmo quem foram seus fundadores, porém se levarmos em consideração a posição do altar que um dia pertenceu a tal irmandade pode se dizer que a devoção ao santo esta ligada a construção do templo. Quem sabe uma justa homenagem a Padre Miguel, figura significante na fundação da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória. Do lado da epístola, mais precisamente no arco do cruzeiro da Catedral de Oeiras, o altar já citado, trás na parte superior as seguintes letras; I. M. A. Muitos acreditam que as mesmas designam ser a sigla de: Irmandade de Miguel Arcanjo, todavia pode ao contrário do que se pensa tratar se na verdade de outra designação; Irmandade de Miguel e Almas, visto que essa irmandade tinha essa denominação em varias outras cidades e vilas do Brasil colonial.
A imagem de São Miguel da Igreja de Nossa Senhora da Vitória é a mesma, pela sua fisionomia trata-se de uma imagem portuguesa rococó, pois, a posição inclinada do corpo, o manto revolto, as sandálias vazadas e leves, balanças vazias e gládio, enfim toda a elegância da configuração são características preponderantes desse estilo. Desgastada com o tempo foi alguns anos reencarnada, porém, segundo Dagoberto Júnior: “Não restaurou como era, rechonchuda imagem de São Miguel Arcanjo (...) Não lhe pouparam sequer, o ouro das roupas que o artista sem gosto trocou por um verde sem nome”. A imagem perdeu sua feição original, mas nada está perdido. Hoje a imagem não usa mais a balança de prata mão, pois, impiedosos tratam de usurpá-la. Resta apenas o gládio, espada de dois gumes, que esta sob o auspicio do Museu de Arte Sacra de Oeiras.
Imagem de São Miguel da Catedal de Oeiras
Em tempos atuais, resta apenas a imagem e o altar, que nem mesmo possui mais a invocação sacra migueliana, pois foi substituído por Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, talvez sem zelo foi um dia substituído quando a maioria dos confrades foram tentar fazer a vida na nova capital. Ficaram apenas ícones e memórias da Oeiras velha.
Junior vianna
O que dizer sobre esse texto:
A minha leitura sabatina foi o seu interessante texto sobre o que nos restou da Irmandade de São Miguel e Almas, da Matriz setecentistade Nossa Senhora da Vitória de Oeiras. Parabéns. É assim que devemos ir escrevendo/reescrevendo nossa História. Parabéns, também, pelo gosto por História da Arte, senda que abri nos estudos piauienses, a partir de "Passeio a Oeiras" e "A Talha de Retábulos no Piauí". Nada como ter um sucessor/continuador como você.
(...)
Cordialmente,
Dagoberto
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